quarta-feira, 12 de maio de 2010

pirando em mortos



um restaurante bem fuleiro. típico de copacabana e suas misturas zoológicas.
uma puta velha no balcão, barriguda de cerveja e roupa justa, batom vermelho e toda pinta de quem tem mau hálito. ao lado dela, um típico senhor copacabanense, camisa aberta, bermuda de tergal bege que um dia foi uma calça, medalhão de são jorge no peito, com um prato de miúdos de frango e uma cerveja bem gelada na sua frente. uma dupla, que tinha movimento grandes e risadas altas. pareciam felizes.
eu, na mesa próxima a porta, devorava cigarros mentolados e mais cigarros desmentolados e enrolava uma caipirinha de cachaça, enquanto esperava uma amiga, sempre atrasada pra tudo.
um velho de gel, nos poucos fios de cabelo grudados na careca, me observava tentando contato visual. em vão.
no vão entre a pilastra e o balcão, um jovem tatuadíssimo, amassava uma garota bronzeada sobre o olhar atento de uma mulher, apática na mesa com o marido sem expresão.
me prendi nesse casal sem voz.
a mesa cheia de comida, arroz, feijão, frango a passarinho, salada, uma garrafa litro de refrigerante.
ela olhava o casal sarado, ele tinha o olhar vago, enquanto mastigava, mastigava, mastigava...
observei durante cerca de meia hora, até o momento em que o garçom se aproximou, trazendo a conta, sendo desprezado pelos dois.
ela ainda olhava e ainda, pra moça bronzeada de short curto, olhava pra bunda, um olhar de inveja e de lembrança, de quando sua bunda cabia em short tamanho 38, sem que as celulites fizessem na perna, o tal efeito casca de laranja e a barra do short apertado, não fizesse de sua coxa, um grande provolone amarrado.
ele olhava a televisão, palitando os dentes, mas não prestava atenção na propaganda das casas bahia. talvez só olhasse, para não ter que olhar pra mulher sem assunto, que se tornou sua companheira de altos papos e trocas, como eram há 25 anos atrás.
talvez tivessem filhos, que talvez morassem longe e só os vissem em festas cristãs nacionais.
talvez o peso nos olhos dela, fosse a tristeza de nunca ter tido os filhos, que sonhou ao se casar.
as prestações do apartamento financiado em 30 anos, o tempo passando, os hormônios em decadência, a secura vaginal, a falta de tesão naquele homem que andava de cuecas furadas depois do trabalho e que peidava na sala, e ainda, coçava calos enquanto assistia ao jornal nacional e se retirava, bem na hora em que ela se sentava na poltrona azul e furada, coberta com mantas de crochê, pra esconder o tempo do móvel e pra assistir solitária, uma novela chorosa e bem intencionada do leblon de manoel carlos.
ele tinha cara de que só a comia no escuro e de quatro. numa média de duas vezes por mês. gozava como um porco suado e dormia.
às vezes, ele inventava viagens como representante comercial de sacolas e embalagens de papel reciclado, que no início dos anos 90, eram a promessa de enriquecimento ecologicamente correto. Nessas viagens, tirava a aliança e ia pra boates de strip. sempre sozinho e nunca contou isso na firma, na hora do café com bolacha das quinze horas.
saía com seu perfume de festa e com andar e olhar de um lobo garanhão comedor conquistador. e sempre pagava pelo sexo.
e ali estavam, em copacabana em decadência.
Mudos, invisíveis um ao outro.
Mastigavam mágoas engorduradas, que lhe deixavam a boca e a pele oleosas e uma emoção seca, nos poucos olhares também secos, que em alguns dias trocavam, mas apenas quando era inevitável.

Pela primeira vez, pirei em mortos que jantam.

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